Hoje fui ao cemitério. Eu sempre gostei de ir a cemitérios. Eles representam um lugar calmo e silencioso em meio ao caos das cidades. Seja pelo pequeno número de pessoas que lá vão, seja pelo respeito involuntário que faz com que as proximidades fiquem quietas a maior parte do tempo. Sempre foi como entrar em outro mundo. A maioria das vezes que fui a cemitérios, todas exceto por ocasião de enterros, eu estava em meus passeios de final de tarde de bicicleta. Antes eu apenas passava por lá, depois que meu avô materno morreu passei a procurá-lo por entre as lápides. Nem sempre achava seu túmulo. Penso que ele se escondia de mim quando achava que eu ia importuná-lo com minhas reflexões a cerca da vida e apesar da paciência de pescador que foi, imagino que tinha dias que gostava da solidão e da quietude. Confesso que aquelas milhares de plaquinhas com nome de estranhos também não me ajudavam.
Com o tempo ao observar as raras pessoas que encontrava por acaso no cemitério criei uma teoria. As pessoas estavam sempre com expressões de reverência como se fosse encontrar com seus santos milagreiros e em geral eram idosas mulheres. Se encontrei durante os meus passeios no cemitério 3 ou 4 homens, foi muito. Sempre encontrei os homens idosos na porta de suas casas sozinhos, olhando o movimento com olhos de ânsia, tinha a impressão que estavam esperando que alguém parasse para que eles contassem suas façanhas da juventude e perguntassem sobre o mundo. Nunca parei. Sempre acenei a eles com sorrisos e balançadas de cabeça, como nos velhos tempos. Aos domingos á tarde, sejam nos cemitérios ou nas calçadas, senhores e senhoras tomam conta de tudo. A velhice solitária deve ser um eterno domingo à tarde sem chuva, quente e invariavelmente parado e melancólico.
Mas vamos à teoria dos cemitérios: nos cemitérios todos são santos. Não importa o quão ruim se foi em vida a morte, para quem a teme, torna os piores homens santos, com seus túmulos gravados e ossos sob a terra. Penso que até mesmo monstros da humanidade seriam tratados como santos se lhes mudassem o nome da plaqueta. Que importa se seus nomes não fossem santificados seus ossos continuariam sendo. Os cemitérios são uma tentativa de não esquecimento. Uma forma de ser eterno aqui na terra. Mesmo para estranhos, como eu que passam por lá a procura de outras respostas, que não suas vidas. A pedra, os ossos e as plaquetas comprovam que houve a existência daquela pessoa. Eu mesma sempre lia vários nomes de gente que morreu há décadas, eram eternas para mim com seus ossos sob meus pés.
Decidi, há algum tempo que não quero ser enterrada, não quero plaqueta, nem pedra sobre mim. Quero ser queimada e que minhas cinzas, que não passarão de cinzas, sejam jogadas em qualquer lugar. Não quero um monumento sob meu nome. Se um dia e só se um dia eu for lembrada não quero que seja pela pedra moldada pelo homem, que seja pela pedra selvagem que se lembrará de mim porque um dia eu estive lá subindo montanhas e atravessando rios. Se um dia eu for lembrada nessa terra quero que seja pela sensibilidade, pela poesia que eu tanto amo. Não preciso nem de livros em meu nome, que sejam apenas livros. Aprendi e pretendo aprender cada vez mais que sou ínfima diante da grandiosidade e que ser ínfima não é ruim, ser parte do todo é como ser o todo e, portanto não se deve temer o esquecimento. Deve-se temer a mediocridade, o medo do medo (porque temer é humano), os preconceitos, a incapacidade de morrer quando há necessidade, a imobilidade, o cativeiro que às vezes nos colocamos por medo da dor e da decepção, o desamor, o apego, a rigidez e o endurecimento...
Sentir-se livre às 4 horas da tarde com o vento batendo no rosto, é como ser Deus. Descobri uma paixão e como todas as minhas paixões imagino que essa vá durar pela vida inteira. É o mesmo sentimento de quando pego papel e caneta e posso divagar em minhas próprias idéias de liberdade, de beleza, da condição de ser humano, de qualquer coisa que me venha à mente sob uma visão nova e posso colorir o mundo com as cores que me apetecem, com cores de vento, sol, fogo, cores com gosto de chuva e vida e pequenas plantas que nascem nas florestas. Esse mesmo prazer eu descobri em subir montanhas e caminhar... ”A estrada é um lugar perigoso, você bota seus pés nela e não sabe onde eles podem chegar.” É a liberdade, de se sentir parte de tudo e perceber que mesmo sendo pequeno perante a grandiosidade da natureza e do tempo você é grande. Muito grande... Infinito. Quem sobe montanhas nunca mais é o mesmo, não é possível ser a mesma pessoa,é como uma revelação, tudo que se pensa ser some, é um dos raros momentos em que se pode ampliar a vida e sentir que existir é simplesmente bom, é ter certeza que é preciso essa liberdade muito mais do que das nossas velhas convenções...
Se perguntar palavras que poderia dar de conselho a uma pessoa são: suba uma montanha, sente-se na frente do mar para ver o sol raiar e o sol se por, pelo uma vez pare se enganar que esta se escutando e se escute e quando achar que as coisas estão difíceis e que aquele ponto é seu último, feche os olhos respire fundo e lembre-se do vento e da sensação de estar lá no topo depois de horas de caminhada. Liberte-se.
Mira A. Diniz
27/07/08
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