Lonjuras

Uma criança observando uma pessoa na rua pergunta ao pai:
- Pai o que ela tem?
- Ela sofre.
E sem tirar os olhos dela:
- Sofre de que?
- De muitas coisas minha filha.
E pensando um pouco continuou:
- Primeiro sofria de passos longos e suas pernas ficaram doloridas de tanto passo em busca, então desistiu e seu sofrimento passou a ser distâncias, tantos lugares para ir nenhum para ficar, tantas coisas para resolver e nenhum que lhe fosse própria, tanto trabalho sem que ela entende-se para que ou para quem. Por fim, foi acometida de um mal súbito. Passou a sofrer de lonjuras e tudo secou por dentro, por fora e a aridez  tomou conta, tornou-se assim quieta, sempre alerta, sempre apercebida dos espaços intransponíveis do mundo. Ela minha filha sofre de lonjuras. 
A menina, tão menina, não compreendeu muito bem o que aquilo podia significar e por uns instantes esqueceu-se de ser criança e olhou para aquele ser e sentiu as lonjuras. Antes de que alguém pudesse reagir ela abraçou as lonjuras e aquela pessoa tão infeliz e até hoje esta na lembrança o momento em que as lonjuras estancaram e um raio de sol entrou para dentro de todo torpor e reviveu por um instante a sua humanidade.

Um comentário:

  1. queria poder abraçar algumas lonjuras e esconjurar distâncias que, embora apenas ilusoriamente, mostram-se intransponíveis aos olhos sofridos e magoados do distanciado... há que ter o afago da inocência, o olhar sem paralelos, e uma ausencia da ânsia de minorar sofrimentos delirantes... A leveza do ser menina e' bálsamo para o insuportável peso das lonjuras ressentidas

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