De lá

Ouvi, há um tempo,  calmamente os soluços que vinham da cama dela.
Chorava já por amor. E não era o primeiro amor. Como se fosse, choramingava pelos cantos.
Juras e promessas mal cumpridas, traídas ou simplesmente ignoradas. Eu chorei com ela. Por dentro.
Não era mais criança e tudo que precisava, mesmo, era de um colo de mãe. Eu dei. Apesar de não o ser. Pela solidariedade, quase sempre, negada que as mulheres sabem instintivamente ter entre si. Por amor. Amor que vinha de muito antes e iria pra muito depois. Eu vi o tempo passando, o meu, o dela. Eu a vi, amar de novo. Entusiasmada como uma adolescente.
Seus olhos, no entanto eram de água apenas por alguém e por mais ninguém. Há quem acredite em um grande inimaginável único amor. Eu não. Acho que amamos. Não conheço medidas para dizer amei mais ou menos. O que eu sei é que têm amores que perduram e se aprofundam e amores que se consomem e passam. Alguns dirão que sempre carregamos os nosso amores, que na verdade nunca passam, só ficam ali sem vontade de serem realizados.
Eu conheci essa mulher por quem ela devotava tanto amor, do tipo que perdura e se aprofunda. Eu gosto do cheiro dessa mulher e dos gestos dela. E com o tempo aprendi a respeitá-la irrestritamente. E nutri por ela um carinho quiçá um amor fraterno e meigo. Ela gosta de mim, apesar de eu não saber exatamente o porque.
Mas essa que vi chorar, por anos foi ao seu encontro sem ter idéia do que era para ser dito. E finalmente ouviu juras de amor. Alguns dirão que a primeira mulher foi estúpida por devotar e nutrir esse amor pela outra por tanto anos. Alguns dirão que a segunda mulher foi injusta, cruel. Demorou anos e anos pra descobrir o amor dentro dela. Que erraram as duas insistentemente. Penso que não existe viva alma nesse mundo que pode dizer isso ou aquilo das duas. Penso que o amor, assim como a vida, tem caminhos que não nos permitem uma compreensão absoluta ou racional. Caminhos que permeiam o mágico. E o melhor a fazer é aceitá-los, agarrar, com os dentes, os caminhos e ir abrindo com os pés e com sinceridade cada um dos passos.
Hoje, eu vejo essa mulher sorrir na cama dela. E de lá de onde estou, que não é perto, sinto que quando o seu coração se aquece, o meu se aquece também. Apenas, porque há uma beleza imensurável em vê-la feliz!

Por tanto

Portanto é assim que calamos pelas esquinas.
Sem saber onde exatamente estamos.
Sabe, muito foi-se.
Mas muito chegará.
São as nossas ondas.
Transformadas em ressacas.
Areias e mais areias por todo lado.

Por tanto mais eu não deixaria de te amar.
Por tanto menos não mudaria o que senti.
Não há grandes segredos, reinventemo-nos.
E cada canto dessa nossa morada terá recebido de novo,
O nosso amor.

Declaração

Primeiro agradeço por tudo que és
E nem imaginas, mesmo sempre sabendo o que não te digo.
Ser gente perto de ti, amando levemente.
Sinto que seremos como gansos, que o amor
Que tenho lhe será sempre fiel, fiel pela vida toda.
Me entende?

Teus olhos me fitam longamente,
Trazendo-me esse gosto de encantamentos tantos tonteantes.
Observo-te, e rezo para que a saudade não me leve
E venha dormir comigo. Calada ao meu lado.
Tuas mãos me levam longe, tão longas distância são
Sentidas que o tempo se expande em tua ausência.

Sou feliz na medida em que não sou triste.
Mais que isso, sou do mundo, dada em oferenda para teus braços
Abertos.

Pudéssemos seriamos iguais tenho certeza.
Toda paciência e entendimento se fazem sublimes
Porque são aguados com nossas danças de amor.

Olha: se há caminhos seguiremos por eles,
Se não os faremos.
Se não for possível o amor perdura eventualmente.
Se não sentes os pés, respira e flutua enquanto
Me visto de caricias dentro das tuas portas abertas.

Musa e Cais

(Ao programa Lixeirinha)

Dizia um amigo que tem gente por ai
Que enxerga cores nas músicas.
Disso eu não sei. Mas sei que há palhetas de sons
Que nos trazem cores de longas datas.

Transporte no tempo, tons, ritmos...
Música é como companheira de viagens.
Nos ocupa por dentro fazendo que sejamos
Um pouco letra um pouco melodia.

Como dizer do mundo?

Nunca soube exatamente o que deveria dizer,
Até o momento em que disse.
Sou uma estrangeira de minha própria consciência.
Somos feitos da mesma matéria que as estrelas.
Somos pó de estrela, mas vivemos como
Pó de gente."

(Re)Encontro

Afeita de saudades tuas.
Trago um pouco de esperança em cada
Um dos olhos.
Sendo boca, ouvidos e arrepios
Dou-lhe todos eles, um pouco, não tudo.

Contamos os dias em semanas e as semanas em anos.
E o tempo esta perdido nas nossas distâncias involuntárias.

De tudo: mudaria o seu endereço.
Nesse instante, agradeço, cada encontro novo.
Que sempre me soa como o primeiro: peito disparado e
Boca sorrindo.

Dez Pedidos

Primeiro digo a vocês que
As parcelas eu já paguei,
E mesmo assim houveram protestos e covardias.

Se agem esperem, queridos, reações diversas e
Adversas. Sou agora floresta devastada, devassada,
Desconstituída de bondades.

Foram-me caros.
De noite somos todos iguais de dia algumas sombras são maiores que outras, deixem-nas em paz.
Caminhem, pois, os passos são largos e o dias curtos.

Menina de olhos claros

Ouve querida!
Ouve as imagens pregadas na parede.
Desertos atravessaremos eu e elas,
Se queres vem comigo, mas nunca faça sons,
Estarei sempre ocupada. Sempre coberta de águas novas.

Eu sei! Tudo a volta está seco.
Parece perdido, mas vislumbro que você é fénix de aguá meu amor.
Continua tua estrada.

Eu também gosto de atalhos, ruidosos.
Colados em bocas ardentes!
Cuidado querida!
Eles logo virão buscar o que lhes pertence de você!
Deve pagar os tributos sem reclamar.

Os sinos marcam as horas e
Seu trabalho é longo ainda!
Cautela.

Cozinhas as sonhos em banho-maria
Antes que se derretam e sequem.

O dia vem chegando majestoso.
Abre a janela e vai!
Nós te amamos.

Fragmento

Olho essa casa em que moro agora. Estou em Franca há dois anos e meio praticamente e a casa está repleta de coisas. Muitas coisas. Inquieta-me todas elas acumuladas sob meus olhos. Tenho vontade de vender tudo esvaziar tudo e ir embora. Mas isso não nos muda por dentro. Ou muda, claro, atitudes concretas nos tranformam por dentro de alguma maneira.
A vida é esta. Cansada. Comedida. Transparente de tantas casualidades. Depois de um tempo é assim uma coisa e outra. E caminhamos pra frente. O tempo dos relógios vai nos engolindo em convenções. Tudo muito óbvio. Não gosto quando escrevo sobre o óbvio obviamente. Que fazer é isso que esta saindo de dentro agora: O óbvio obviamente retratado.

Mas dai, de que me serve entende? De que me serve várias coisas. Tudo aqui juntando poeira. Poesia de baixo da esquina em cima. As vezes, olho as coisas e penso o que é um dia. Não é nada no tempo. Percebam, é nesse tempo contido no dia que fazemos coisas. Vê? Como é estranho é no insginificante que construímos as coisas significativas em amplo sentido.

Olhos, bocas e pernas

Olhai distâncias sem nunca  amedontrar-te.
Elas são como animais selvagens.
Se apoderam do cheiro de quem as teme,
E os engolem, levando tudo que tem pela frente,
Como grandes ondas do mar.

Aquieta-te.
És um grande mosaico de lonjuras,
Esparsas.
Quebradas em desafiosos encontros.
Sob várias luzes.

Abre-te.
Há rumos pela frente,
Passados pelos sons de teus sapatos antigos.

Não vês? Tocas castanholas e amores em tango cigano.
É tudo quanto precisa, preciosa maneira de ser-estando.

Vais e olha teus próprios calcanhares,
Caminhando, vencendo lugares, criando.

E lembre-te de um velho conselho:
Partir é sempre chegar em outras paragens!

Camisa de listras roxas

Chego com as compras do super mercado. Olha-me com paciência, a pressa se apoderou de mim, logo tenho que partir de novo para o trabalho. Ficou em casa o dia todo, cuidando das crianças e escrevendo. Levanta-se, me ajuda com as compra. Pergunta do dia. Não tenho tempo e nem disposição para responder agora. Digo-lhe isso. Olha-me demoradamente com um pouco de frieza. Essa é minha frieza, só se faz de espelho, quando eu digo ou faço algo do tipo.

Diz que me ama. Agora, não posso sentir amor. Por isso dou-lhe um beijo carinhoso. E saio correndo.

De noite, chego. As crianças já estão dormindo. Olha-me com desejo. Tomo um banho quente, demorado. 
Ligo o computador. Olha-me de novo. Senta-se ao meu lado e me acaricia sob a roupa leve. Primeiro nas costas, descendo a mão vagarosamente, despretenciosamente pelas minhas coxas. Fico com tesão. Olha-me. E nos deitamos...

Sete da manhã o despertador grita na minha cabeça. Que horror de vida. Saio correndo, visto minha camisa de listras roxas e saio para o trabalho.

Gostos

Venho desse tempo tão vasto.
Infinitamente desnudo de propostas e
Porteiras.

Venho desse tempo imundo de humanidades
Avacalhantes.

Vivo do lado desumano
Selvagerias descontinuadas.

Mas, me vens assim de lugares parecidos
Com os meus.
Dividir cama e odores matinais comigo.
Depois nuances, olhos, meias, comidas.

Intuo as tuas porções que me insinuam por dentro
Tomando conta dos meus espaços.
Calo-me em confissões
Expansivas.
Destronada de temores e feita
Um pouco tua, um pouco dada do mundo para
Tua boca e pele sempre ávida.

Meio vazio

Olham todos para o mesmo lugar.
Não podem mudar de rumo.
Está traçado o destino.
Serão bravos lutadores.
Bravos guerreiros.
Bravos e dignos de aplausos condencendentes
A todo malabarismo barato que fazem em
Pequenas tramas internas.

Estão todos aprisioneiros
Dos seus malogrados objetivos.
São como jumentos com freios carregando
Pianos e balaios.

Entrada de palco

Somos estradas às vezes
Sinuosas ou largas avenidas
Às vezes de terra, outras rodovias.
Secas ou elamiadas.

Às vezes curtas,
Por vezes infinitas em nossas extensões.

Somos estradas ora desérticas,
Ora feitas de multidões aparvalhadas.
Ora com estalagens e aconchegantes motéis,
Algumas apenas estradas.

Somos estradas para outros que
Passam, às vezes rápido demais
Para que nos demos conta.
Ou vagarosamente para que nos deixem
Marcas, passos e lembranças para guardar
Debaixo do colchão.

Somos todos passeios de primavera.
Cálido como mãos infantis.

Ser estrada é como ser gente.

Insistência

Cada passo ressoa.
Uma memória em cada esquina,
Das casas, gostos e deleites.

Cada ser intui onde está.
Olhando á maneira insone
Para um mundo que insiste em dormir.

Cada dia passa.
Alternando-se em velhos e novos.
Sentados na beirada do mirante.

Mas as retinas fotografam.
As imagens perduram.
Destronadas as nossas angustias,
Partem.
Colocando no lugar interno,
Um pouco de sal e pimenta.

Crueldade

Duvida cruel:
Nos construímos
Ou
Nos construíram?
Ou nada disso?
Sou meio torta,
Um pouco fora de rota.
Estrondosa como baterias
Ora desafinada, ora afinada.
Sou de sinfonias,
Toco piano.
Carrego piano
E sei reger orquestra.
Mas não me importo,
Não sou mais nem menos
Valorosa perante o mundo.
Sou de cavernas e
Labirinto interno. Escadas e
Portas. Quatro dimensões ou
Mais por dentro.

Só quero agora,
Separar os caminhos,
Traçar rotas de fuga,
Caminhar ao lado
Numa madrugada fresca
E longa, longinqua.