Quando

Me diz quando e
Onde?
Explica esse ardor no meio da boca?
Um gato preto, uma coruja de olhos amarelos
Na minha janela.
Uma vela acesa,
Um medo sem fim...
Passos lentos e novos
Renascer das cinzas e do  fogo...
Fogueira de uma noite apenas.
Anos,
Vezes, as vezes
Lamento na noite
Gemidos de prazer
Sol no céu,
Barulho
Passado
Azedume
Bem que sabia que a fruta
Azeda!
Que seja,
Por nunca mais
Por sempre
Desfaz o agora?

Amanhã

Amanhã teremos tempo, bons amigos,
Boa comida, bons amores e paz.
Amanhã seremos livres de nossos medos,
Das travas morais, dos olhares de reprovação.
Amanhã os dias serão de clima ameno,
Nem quentes, nem gelados, a chuva cairá na hora certa
E o sol não nos causará câncer.
Amanhã os gatos todos serão pardos, o amor, ali de cima,
Livre e nossos corpos beberão de outros com profundidade
E calma.
Amanhã não teremos propriedade privada, nem coletiva,
Viveremos sem propriedade e a medida de tudo será a
Afetividade.
Amanhã crianças crescerão sem escolas,
Mulheres andarão de madrugada nuas pelas ruas,
Homens estarão em um trabalho reconhecido.

O futuro como tempo real está preso,
O que nos tem em tempo concreto são
Os mesmos passos do sempre.
E os olhos das gentes estão baixos e cegos.

E por isso, amanhã, o dia nascerá pequeno, triste e
Encabulado de nascer.
O Amanhã gestado em gestos diários,
É abortado e vomitado dos corpos doentes,
E as mãos continuam tateando no escuro e cavando
Cavando Cavando Cavando...
E aqui e ali acham:
Peças do mosaico da vida.

Mira A. Diniz

Gatos Pretos

Tive o azar se experimentar o mundo pelo meio uma vez há tempos atrás. Desde aí, é essa vontade louca de estar em todos os lugares e corpos, não criando relações subjetivamente pobres, mas sentido metade do mundo por dentro e outra metade por fora. E me fundir a tudo que se move e é belo, a tudo que não se move e é belo, a tudo que se move e tem vícios e diversas outras combinações que me cabem bem. Com bom tamanho! Ou até que não me cabem  e me tiram as certezas. Não consigo... Simplesmente não consigo dizer com palavras ou gestos ou maneiras suficientes como quero, ou mesmo dizer do desejo de me desfazer em meio a tudo, não numa tentativa de satisfazer meu ego, mas numa tentativa de existir sendo só uma sensação, não sensação que paira na superficie da mediocridade, mas aquela que perfaz todos os espaços e nos enche de qualquer coisa doida, lasciva, sublime, colorida, obcena, sensual, trágica e que explode em tanto que não se pode mais respirar e é quando se respira melhor. Vivo nessa quase nuvem que faço questão de criar ao redor da minha existência e por vezes me pareço com uma criança ingênua cheia de sonhos bobos e até reprováveis, mas não importa muito. O que posso dizer da vida e com a boca cheia é que sou grata, sei que passei por dias terriveis, mas sei também que outras pessoas passaram por dias mais terriveis talvez e sei que tem pessoas que não tem essa percepção da vida de que ela é ou pode ser indescritivelmente indescritivel. Tudo bem. E como ia dizem, sou grata. Encontrei pessoas belas em cada lugar por onde estive, talvez tenha sabido olhar ou trazido elas até mim pela minha ansia. Belas não porque são perfeitas, ou porque eu tenha sido capaz de amá-las sempre, sem reservas e medos ou mesmo que eu tenha conseguido amá-las. Mas belas porque criam lugares ao redor, porque se movimentam no mundo da melhor maneira possível e porque acima de tudo são o que são, mesmo que não sejam o que podem ser ou o que moralmente e humanamente devem ser. Simples sem juízos porque são o que são! Então, amigos, estranhos, amores, amor, você, o meu sincero e mais Sincero possivel obrigada! Desde os desconfortos aos maiores prazeres OBRIGADA.